É escandaloso, mas é verdade: decorridos quase cem anos
sobre as aparições de Fátima, é possível afirmar que a principal vidente, não
obstante a sua tão longa existência, não cumpriu, com eficiência, a sua missão
aqui na terra.
É estranho que os jornalistas, tão argutos e corajosos na descoberta e
publicitação dos «podres» da Igreja, nunca tenham denunciado este caso. Como
misterioso é o silêncio que salvaguarda a memória da última vidente de Fátima,
quando é por demais óbvio que defraudou as expectativas que sobre ela recaíram,
nomeadamente como confidente da «Senhora mais brilhante do que o sol».
A matéria de facto é conhecida. Na segunda aparição da Cova da Iria, a
Lúcia expressou um desejo comum aos três pastorinhos: «Queria pedir-lhe para
nos levar para o Céu». A esta súplica, a resposta de Maria não se fez
esperar: «Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá
mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele
quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração».
Com efeito, a 4-4-1919, menos de dois anos depois das aparições marianas,
o Beato Francisco Marto «morreu a sorrir-se», como seu pai confidenciou.
Sua irmã, a Beata Jacinta, faleceria menos de um ano depois, a 20-2-1920, em
Lisboa, depois de um longo martírio, vivido com exemplar espírito de
penitência.
Não assim a prima Lúcia, a mais velha dos três e que, efectivamente, como
Nossa Senhora tinha dito, ficou «cá mais algum tempo». Como Maria vive
na eternidade de Deus, os 97 anos que tinha a Irmã Lúcia quando faleceu são só
«algum tempo». Mas, se não acompanhou os seus primos no seu tão
apressado trânsito para o Céu foi – recorde-se – para dar a conhecer e amar a
Mãe de Deus e para estabelecer, a nível mundial, a devoção ao Imaculado Coração
de Maria.
No entanto, como cumpriu a Lúcia este encargo que lhe foi expressamente
pedido? Que fez, para espalhar mundialmente a devoção mariana? Pois bem,
fecha-se, sob rigoroso anonimato, numa instituição religiosa, em que nem sequer
às outras religiosas ou às educandas pode confidenciar a revelação de que fora
alvo. Pior ainda: alguns anos depois, não satisfeita com aquele regime de
voluntária reclusão, pede e alcança a graça de transitar para um convento de
mais estrita clausura, onde se encerra para sempre, proibida, pela respectiva
regra, de contactar com o mundo exterior, salvo em muito contadas ocasiões.
Ora bem, a Senhora aparecida em Fátima, incumbiu-a da divulgação mundial
da devoção ao seu Imaculado Coração. Era de supor, portanto, que a Lúcia se
tivesse dedicado a fazer tournées eroadshows internacionais,
percorrendo o mundo inteiro e dando entrevistas sobre os factos de que era a
única sobrevivente. Era de esperar que tivesse recorrido aos meios de
comunicação social, sem excluir as modernas redes sociais, para promover o
culto mariano. Era razoável que tivesse frequentado ostalk-shows, para
assim poder ser vista e conhecida por milhões de telespectadores de todo o
mundo. Era lógico que se tivesse dedicado a escrever best-sellers de
palpitante actualidade: «Eu vi o inferno!», ou «A vidente de Nossa
Senhora confessa toda a verdade!», ou mesmo «Os segredos de Fátima sem
tabus!», ou ainda «Por fim, tudo o que quis saber sobre a conversão da
Rússia!».
É quanto basta para poder concluir que, humanamente, não cumpriu a sua
missão. E, contudo, são às centenas de milhares os peregrinos que, ano após
ano, rumam para a Cova da Iria, correspondendo ao apelo de Nossa Senhora de
Fátima. Sem propaganda nem publicidade, sem marketing nem
promoções, eles são, afinal, a expressão objectiva do misterioso triunfo da
Irmã Lúcia ou, melhor dizendo, da eficácia sobrenatural da sua ineficiência
humana. Quem sabe se não será esta tão escandalosa demonstração do poder da
oração e do sacrifício, o quarto e o mais importante segredo da mensagem de
Fátima?!
Gonçalo Portocarrero de Almada
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