Há uns bons anos, o diretor de um semanário comunicou à sua administração que a edição que estaria nas bancas daí a quatro dias seria a última que ele, a chefia e metade da redação produziriam, já que se iam “transferir” logo depois para uma empresa concorrente, onde lançariam um jornal para disputar a mesma área de mercado.
Nessa noite, dezenas de fotografias foram “desviadas” do arquivo, como sinal do que iria suceder nos dias seguintes. A administração, composta por dois amigos meus, infelizmente já desaparecidos, tomou a única decisão possível: mudar de madrugada as fechaduras das portas e reforçar a segurança à entrada logo de manhã, de modo a impedir o acesso dos demissionários às instalações.
Ajudei então esses amigos a procurar na praça uma pequena equipa de jornalistas que, trabalhando dia e noite – em “part time”! –, conseguiu pôr a edição nas bancas no dia habitual e aguentou o leme mais duas ou três semanas até se poder resolver o problema de forma definitiva. E a verdade é que esse título continua a publicar-se e o “novo” concorrente já lá vai...
Recordo isto para sublinhar como foi grave para o Sporting a última decisão de JE Bettencourt – um homem de qualidade mas que fica ligado a um período triste da história do Sporting: a de renunciar e não sair de imediato.
Quando o líder se quer ir embora – e isto é válido nas empresas, nos clubes, nos jornais ou na política, como se vê agora no norte de África – deve desaparecer quanto antes. O comandante não pode fingir que ainda manda porque, sentindo a fraqueza do poder, os assalariados “amolecem” e o espírito de grupo corrói-se.
E nem será esse o caso do Sporting, onde as pessoas, nos diversos níveis, parecem esforçar-se, mas a ausência de liderança estável e a arrastada indefinição quanto ao futuro formam o caldo perfeito para que a cabeça não pense, as pernas abanem, as desgraças aconteçam e até a sorte se esqueça de assinar o ponto.
O Sporting tem de iniciar nova vida. E depressa.
Alexandre Pais, Record
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