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sexta-feira, janeiro 12, 2007

Uma amizade inesperada

Ontem fui convidado por um amigo meu a assistir a uma tertúlia do jovem Hugo Santos, católico, licenciado em medicina, Padre, exercendo as funções de Capelão na Universidade Católica. O pretexto da tertúlia prendeu-se com a ida do Pe Hugo à Turquia, para acompanhar o Santo Padre, tendo lá ido na qualidade de amigo pessoal do...Patriarca da Igreja Ortodoxa de Constantinopla! É verdade, amigo pessoal!.
Tudo começou há coisa de 10 anos atrás. O Pe Hugo Santos, na altura seminarista, fora pela primeira vez à Turquia. Durante a sua visita tivera oportunidade de visitar a Basílica de Santa Sofia, outrora a grande referência da Igreja do Oriente, mas que depois foi tomada pelos muçulmanos, tendo sido convertida em Mesquita. De modo que os cristãos ortodoxos tiveram que se virar para outro lado, tendo feito da Igreja de São Jorge a sua nova referência. Ora bem, sucede que a Igreja de São Jorge não constava dos roteiros turísticos, pelo que o Pe Hugo não tivera oportunidade de visitá-la. Já no regresso a Portugal, decidiu escrever uma carta para o Patriarcado turco. Que tivera grande frustração em não ter podido visitar a Igreja, pelo absurdo de nem os roteiros lhe fazerem qualquer referência. Mais, que em Portugal costuma-se dizer que a esperança é a última a morrer, pelo que acreditava que um dia mais tarde, estes absurdos já não voltariam a ocorrer. Cabe dizer que esta carta foi redigida em grego antigo, porque o Pe Hugo, estudante de teologia, e de grego, quisera pôr em prática os seus conhecimentos, e porque o grego deveria ser, certamente, língua corrente para o Patriarca. Sim, mas o grego...moderno, não o antigo.
O que é verdade é que uns meses mais tarde, o Pe Hugo recebeu uma carta do secretário do secretário do secretário do Patriarca, a acusar a recepção da sua missiva, dando conta de que tinha razão e que o problema estava a ser tratado, não deixando no entanto de convidar o Pe Hugo a visitar novamente a Turquia para então ver com os seus próprios olhos essa mudança. Mais, que quando fosse que os avisasse. Em jeito de remate, escrevem um P.S a dizer ao Pe que da próxima poderia escrever em inglês, que a outra carta levara mais tempo por causa dos serviços de tradução. Bom, o Patriarca recebe entre 100 a 200 cartas por dia, mas nenhuma certamente em grego antigo. Vai daí o interesse que isso lhe suscitou, e a generosidade em convidar o Pe Hugo.
Bom, o Pe Hugo voltou novamente à Turquia, avisou o Patriarcado, e teve oportunidade de ter uma audiência pessoal com o Patriarca. Foi empatia à primeira vista! Os anos foram passando, e o Pe Hugo viajava com frequência para a Turquia, ficando instalado na Sede Patriarcal. Tornou-se amigo da família do Patriarca, e por todos foi bem acolhido.
O Patriarca da Igreja do Oriente é o sucessor de André, irmão de Pedro, tal como o Papa sucessor de Pedro. Vai daí, apesar desta divisão entre Igrejas, na sua mesa de trabalho o Patriarca tem uma foto do Papa, porque é André, seu irmão, e disso nunca se esquece.
No ano passado o Papa Bento XVI foi visitar a Turquia. A razão da visita prendeu-se com o seguinte: as relíquias de dois Santos muito estimados pelos Ortodoxos foram devolvidas pelo Papa João Paulo II, e agora que os ortodoxos voltaram a exibi-las, convidaram o Papa para o efeito. Sabendo o seu bom amigo fiel ao Papa, decidiu convidá-lo a acompanhar a visita do Santo Padre.
Claro está, o Pe Hugo foi convidado VIP, com acesso único e in-loco a todos os momentos da visita. Porque conhecia o pessoal do Patriarcado, porque às vezes valeu-se do bom desenrasca cá dos Tugas, e também com alguma ajuda da Providência, passou por momentos únicos, sentimentos muito fortes.
Destaco um que achei deveras delicioso. Em Agosto de 2006 o Pe Hugo assegurava os serviços religiosos na Igreja de São Jorge. Como passava lá os dias, andou a investigar o local e deu por uma entrada secreta, numa porta do altar, que entrando lá saía-se na sacristia. Um túnel portanto.
Voltando à visita do Papa, amanhã era dia de celebração na Igreja de São Jorge. Conseguir um bom lugar seria complicado. Vai daí, á bom tuga, de véspera o Pe Hugo decide colocar numa das cadeiras da frente um livro e a mensagem de reservado. No dia da Missa, a Igreja estava apinhada, segurança fortíssima, o Pe Hugo consegue entrar e calmamente, como quem não quer a coisa, vai para o seu camarote, retira o livro, e senta-se, para espanto de alguns.
O Papa entra na Igreja, cerimonial a começar, mas há algum imprevisto, e pára por momentos. Adivinhem aonde? À frente do Pe Hugo. Claro está, o Pe Hugo ajoelha-se, beija a mão do Papa, dizendo emocionado "Santo Padre, Santo Padre, sou de Lisboa. Por favor, reze pela Universidade Católica! Muitas orações!".
Decorreu a missa, tudo muito bem, e esta termina. Ao fazer a procissão de retorno, novo compasso de espera e, nem de propósito, à frente do Pe Hugo! O Pe Hugo, volta à carga "Santo Padre, Santo Padre, sou de Lisboa. Por favor, reze pela Universidade Católica! Muitas orações!".
O Papa vai embora, segurança apertadíssima, a não deixar ninguém se aproximar. O Pe Hugo feliz da vida, ainda não satisfeito, desejoso de novo encontro com o Papa, pergunta-se "Pera aí, o Santo Padre tem de ir tirar os paramentos!". "Nah, não vale apena. Aquilo tá tudo cheio de segurança, não vai dar para entrar" pensou. Até que de repente, fez-se luz "Pera aí! Eu conheço uma passagem secreta! E ninguém a conhece!". Assim pensou, assim fez. Dirigiu-se para a Sacristia, e no momento em que ia abrir a porta, está a entrar o Papa, que sem dar hipóteses ao Pe Hugo, aponta-lhe o dedo, a sorrir, e diz "De lisboa, De lisboa!". Foi a gargalhada geral!

Foi uma tertúlia única, fantástica, e onde nos rimos imenso. De facto, os desígnios do Senhor são insondáveis, e esta amizade inesperada do Pe Hugo com o Patriarca é qualquer coisa de inédito, fantástico, e muito bonito...muito bonito mesmo!

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